Por estes dias, os principais órgãos de informação portugueses, televisões à cabeça, deram impressivo destaque à história de uma mulher que, após o parto, deixou o hospital de faro com a criança recém-nascida. A história chegou a abrir telejornais, foi tema de capa na imprensa e acabou por se transformar num folhetim. No capítulo 1, a mãe “fugiu” do hospital com o bebé; no capítulo 2, voltou e entregou o recém-nascido aos cuidados hospitalares; no capítulo 3, foi detida, presente ao juiz e impedida de ver o filho sem estar acompanhada. Finalmente, no capítulo 4, contou-se que a protagonista desta estória ainda não foi ao hospital ver a criança.
Pelo meio, “informou-se” que a mãe em causa, que se mostrou arrependida do acto, é uma jovem toxicodependente que trabalha com idosos e crianças, receosa de não conseguir prosseguir a sua actividade profissional, dada a elevada exposição mediática a que foi sujeita. Com razão, porque houve inclusivamente jornais que, contra toda a ética profissional, não se coibiram de referir o seu nome e apelido.
Depois de toda esta saga pseudo-informativa, e apesar do presidente da administração do Centro Hospitalar do Algarve, Pedro Nunes, ter dito que a mãe o tratou “muito bem” o bebé depois de o ter levado do hospital de Faro; que a instituição não a vê como “uma criminosa” nem encara o acontecido como “um rapto”, o certo é que a jovem se transformou numa criminosa aos olhos do público, sem apelo nem agravo. Tudo isto configura mais um exemplo de jornalismo sensacionalista, indicador da frequente ausência de sentido ético e de responsabilidade social que deve ser a base das notícias, que caracteriza, mesmo que pontualmente, a generalidade dos Media.
Sabe-se que aquilo a que se chama “sensacionalismo” ou “jornalismo tablóide” se caracteriza por uma aposta nos sentimentos/emoções das audiências, ampliando e dramatizando assuntos, muitas vezes sem a menor importância, e alimentando a sua novelização ao longo de vários dias. Para isso, entrevistam-se especialistas, testemunhas, acusados, até simples curiosos. E para este caldo ficar melhor condimentado, juntam-se-lhe notícias de casos parecidos, a ponto do assunto parecer ter uma importância societal que, na verdade, não possui. Foi o que aconteceu desta vez. Ainda na passada segunda-feira, Judite de Sousa, no jornal das oito da TVI, se referia a “outro caso que está chocar a opinião pública”, o de uma portuguesa emigrada em França, que matou uma filha menor e agora tem outra a cargo; e entrevistava-se a mãe filicida.
Este “jornalismo de fancaria”, como aqui lhe chamo (não, não se trata de “infotainment”, esse é, por exemplo, o caso de Jon Stewart que, no “Daily Show”, entretém, ao mesmo tempo que informa e dá corpo a um olhar crítico) enxameia jornais e televisões, mais interessados no controlo de custos, no resultado comercial e na percentagem do “share” do que em informar verdadeiramente os públicos, sobre as grandes questões da nossa sociedade e do mundo em redor.
De “fancaria” é igualmente a atitude da Europa face às levas de emigrantes clandestinos, entretida a discutir critérios para a panaceia de novas quotas de refugiados por país membro, enquanto homens, mulheres e crianças cruzam o roteiro da morte nas águas do Mediterrâneo, rumo a Itália e à Grécia. Ou desesperam aos milhares nas “selvas” de Calais, na busca de conseguir atravessar o túnel ferroviário sob o Canal da Mancha, rumo a um Reino Unido que olham como um Eldorado. E assim cresce dia-a-dia uma Europa sitiada, que multiplica trincheiras na forma de muros e barreiras, e se defende dos “invasores” com cada vez mais polícias e cães.
Trata-se de uma questão dramática e humanitária que encontra a sua génese no funcionamento do sistema mundo, na fome e na guerra que atravessa os continentes africano e asiático, muito por culpa das intervenções que um capitalismo ocidental desregrado, selvagem e agressor tem realizado nessas geografias, para servir os interesses geo-estratégicos, como os do industrialismo militar, os das petrolíferas e de outras grandes companhias multinacionais. Mas disto não sabemos pelas notícias que, dirão, apenas se cingem aos factos, como se eles fossem uma coisa em si própria.