No período áureo da “Festa Grande” (fim do século XIX e princípio do XX), o ponto alto da mesma era constituído (como, de resto, ainda hoje continua a ser) por uma monumental procissão, enquadrada pela Igreja e na qual se integravam, por ordem de antiguidade de fundação, todos os Círios presentes na Atalaia.
O tempo passou e, no ano de 1987, o quadro já era muito diferente e negativo: apenas se integravam na procissão os Círios da Azóia e da Quinta do Anjo e, como a circulação de trânsito na Estrada Nacional número 4 não era interrompida pela GNR, os devotos caminhavam, ridiculamente, no passeio norte, junto dos prédios.
Para tentar restaurar alguma da grandeza e do prestígio do passado, antes dos festejos desse ano tomei a iniciativa de fazer reunir à mesa o padre Manuel Gonçalves dos Santos e representantes dos cinco Círios que ainda festejavam na “Festa Grande”: Azóia, Quinta do Anjo, Carregueira, Olhos de Água e Novo. E tive a satisfação de verificar que a minha iniciativa fora bem acolhida e conseguiu-se chegar a acordo para integrar de novo todos os Círios na procissão e fazer interromper o trânsito. Os três Círios dos “caramelos” (Carregueira, Olhos de Água e Novo) abandonaram deste modo as procissões individuais e passaram a cumprir as suas promessas coletivas quando integrados na Grande Procissão.
Nos últimos anos e a convite da respectiva Direcção, tenho participado naquela transportando a Bandeira Principal ou outra de grande porte do Círio dos Olhos de Água.
Este ano, ao chegar à casa do Círio, na Atalaia, tive uma surpresa muito desagradável: o Círio não iria integrar-se na procissão nos moldes habituais, pois o novo quase-pároco da Atalaia ordenara que todos os Círios teriam de partir do adro da igreja.
Ora o Círio dos Olhos de Água, desde a reativação da Grande Procissão, sempre se integrou nesta no cruzamento da rua da sua sede com a Estrada Nacional número 4, pois tem-se tornado cada vez mais difícil e penoso arranjar pessoas de ambos os sexos (no passado, só do feminino) que se disponham a carregar com os três andores de imagens da Virgem (duas da Atalaia e uma de Fátima) e, subindo e descendo, a dar duas voltas ao circuito da procissão.
Procurando inteirar-me melhor do que previsivelmente se iria passar no dia seguinte (domingo), dirigi-me à igreja. Foi-me dito por sucessivos escuteiros que o novo quase-pároco estava a jantar. Após duas horas e meia de espera, vim-me embora. Mas voltei lá no dia seguinte. Fui então recebido pelo quase-pároco no exterior da igreja, aos gritos e em postura extremamente arrogante e autoritária: “Quem é você?”. “Aqui quem manda sou eu”. “Na minha terra, todas as procissões partem da igreja”. Como, pela obra realizada à minha custa nos últimos quarenta anos, não permito que ninguém me fale nestes termos, retirei-me.
Para o novo quase-pároco, como o Círio dos Olhos de Água não entraria na Grande Procissão no adro da igreja, em rigor também não faria parte dela. Resultado: pela primeira vez, no último século e meio, o Círio dos Olhos de Água teve de cumprir a sua promessa antes da do Círio da Carregueira, desrespeitando, assim, a ordem de antiguidade de fundação de cada um. E, por ordem do novo quase-pároco, só se integrou na Grande Procissão na parte final desta. Mas, quando tal aconteceu, já a parte dianteira da procissão avançara, criando-se um enorme vazio no centro desta. Em suma, como diria alguém, uma “barracada”, mesmo uma “grande barracada”.
Desde que Atalaia se tornou numa quase-paróquia, têm sido frequentes as mudanças de pároco. E, no desempenho desta atividade, apesar da cada vez maior escassez de candidatos a exercê-la, penso que continuam a ser requeridos padrões mínimos de personalidade e de competência que me parece não estarem ao alcance de um qualquer recém-chegado. É que – ponto fundamental – a Atalaia tem uma romaria de, pelo menos, seiscentos anos, com importantes tradições a preservar a todo o custo.
Uma nota final. Em minha opinião, uma procissão religiosa não deve nem pode ser confundida com qualquer outro cortejo, designadamente etnográfico, pelo que a integração de ranchos folclóricos e charretes no fim da Grande Procissão – fenómeno que tem ocorrido nos últimos anos – me parece, no mínimo, discutível, e, como tal, a repensar.