Neste ano, a sardinha tem sido um tema recorrente nesta minha coluna, mas pela sua importância para a comunidade piscatória nacional, não podia ser de outra maneira. Até porque a forma como o assunto tem sido tratado é sintomático da forma como a pesca tem sido tratada pela actual tutela do Mar.
Por estes dias têm vindo a ser encerrada a possibilidade de pesca de sardinha nos principais portos de pesca do país. No momento em que vos escrevo já “fecharam” no centro, Peniche e Nazaré, e no Algarve, Portimão. Como uma gangrena, este mal irá estender-se por todo o país.
Por habilidade dos governantes e falta de visão de uma parte dos representantes do sector a responsabilidade e o ónus deste, inevitável (dada a reduzida quota), encerramento da possibilidade de pescar sardinha, tem recaído sobre as Organizações de Produtores. A habilidade do governo e a ganância das organizações com maiores históricos, em guardar a sua fatia da mísera quota, fez com que os representantes do sector se colocassem numa posição muito frágil no debate desta questão. Só assim se explica que a Ministra Assunção Crista se permita acusar as OP’s que viram encerradas as suas pescarias de falta de cautela na gestão das pescarias. Quando nunca foram impostos limites tão grandes à captura por parte das diferentes organizações como este ano.
A habilidade politica desta tutela é uma realidade, sobretudo porque entenderam com que mecanismos podem dividir o sector, governando-o a seu bel-prazer sem o ouvir nem debater o que quer que seja. O desígnio de mar deste governo, nada tem que ver com a exploração dos recursos feita pelos pescadores. Está inclusive nas antípodas desta actividade. Como já escrevi aqui, a pesca é inclusive um empecilho, que durante estes 4 anos tem sido posto no seu lugar, o canto escuro da sala (exemplo cabal foi a Lei n.º 17/2014 que Estabelece as Bases da Política de Ordenamento e de Gestão do Espaço Marítimo Nacional).
Um exemplo dessa habilidade foi a publicação durante o fim-de-semana, e sem ouvir o sector, de uma portaria (nº260-A/2015) definindo os apoios/subsídios a prestar aos pescadores e armadores que se viram entretanto proibidos de pescar sardinha. Aparte os erros resultantes da pressa na publicação (discordância de datas, etc), conseguiram com o documento contentar/calar uma franja da frota que estaria em vias de se manifestar de forma mais evidente perante a opinião pública.
Um quarto desta habilidade teria sido útil à tutela na defesa dos interesses nacionais perante a nossa congénere do país vizinho.
Assim de forma pacífica e despudorada se caminha a passos largos para a dissecação de um dos principais subsectores da frota nacional. Transformar a sardinha numa pesca sazonal é o princípio do fim dessa frota, é um forte revés à retoma da indústria conserveira baseada em produto nacional é o fim da indústria transformadora que congela sardinha portuguesa. Nos casos da indústria conserveira e transformadora, não desaparecerão, “apenas” passarão a trabalhar peixe importado.
Agora e sem sardinhas para pingar no pão, resta-nos desejar que chova, pois assim pelo menos a vontade de comer sardinha assada sempre se reduz.